Indústria brasileira altera rotina para evitar riscos de gripe aviária

1 de fevereiro de 2023

A Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA) comunicou o registro de dois surtos da gripe aviária na Bolívia, país que faz fronteira com quatro estados brasileiros. A notícia só aumenta a preocupação com o aumento do número de focos ativos da doença em mais de 40 nações, inclusive outras da América Latina. “Este é o pior cenário que já vimos, porque está avançando muito rapidamente na América do Sul”, ressalta Anderlise Borsoi, auditora fiscal federal agropecuária do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). O Brasil nunca registrou uma ocorrência sequer desse problema, e para manter esse status sanitário os setores público e privado envolvidos com a avicultura reforçaram as barreiras de biosseguridade. As indústrias até intensificaram a rotina de proteção em suas unidades produtivas.

A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), entidade que representa o setor, tanto em corte quanto em postura, distribuiu um manual de biosseguridade com os procedimentos indicados para os processos nas unidades produtivas. E por meio de uma nota técnica recomendou a proibição total de visitas aos aviários por pessoas que não componham o quadro de produção, mesmo quando cumpridos os períodos de quarentena. “O momento requer atenção máxima e medidas extremas”, alerta o documento, que propõe a ação como medida complementar de biosseguridade.

Mais cautela na indústria

A paranaense GTFoods, que abate em média 550 mil aves por dia, reforçou os protocolos contra a gripe aviária. O coordenador de Sanidade da empresa, Mauricio Braga Puccinelli, afirma seguirem as determinações da Instrução Normativa nº. 56 do Mapa, que contempla programa de saúde avícola, uso de cercas, arco de desinfecção, controle de acesso de fluxo e trânsito, dentre outras normas exigidas e fiscalizadas pela Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar).

A companhia conta ainda com instrumentos próprios para a mitigação de riscos. “Temos um plano de contingência para que, no caso da entrada de alguma doença de notificação obrigatória, as ações sejam colocadas em prática com o objetivo de atuar rapidamente no controle”, observa Puccinelli. Por ser causada por um vírus altamente contagioso, que pode afetar várias espécies de aves domésticas e silvestres, a gripe aviária é uma doença de notificação obrigatória à OMSA.

Entre as medidas adotadas, Puccinelli destaca a proibição da entrada de pessoas que não tenham vínculo com a atividade nos núcleos de aviários, como recomendou a ABPA. E mesmo quem tem acesso a essas áreas, como funcionários, equipe técnica e de apanha, deve passar por rigoroso processo de higienização das mãos, desinfecção de calçados ou uso de botas descartáveis e roupas exclusivas para acesso às unidades. Há ainda procedimentos obrigatórios para veículos, que devem ser desinfectados e registrados, para fins de rastreabilidade.

Os avicultores integrados ao grupo também recebem alertas. “Orientamos a não terem criação de aves silvestres ou caipiras na propriedade, pois podem ser portadoras de algumas doenças”, comenta Puccinelli. Também não devem manter fontes de água próximas aos núcleos que sirvam como área de descanso para aves vindas de outras regiões, com eventual risco. Recomenda-se o uso de fontes de água protegidas e tratadas com cloro.

“Acreditamos que se tomarmos todos os cuidados necessários de biosseguridade, dificilmente teremos o problema em aves de produção industrial”, frisa o coordenador da GTFoods. Ele acrescenta que a companhia tem promovido rodadas de treinamentos teóricos e práticos, com foco em biosseguridade e sanidade, para todos os funcionários dos núcleos existentes na empresa.

Cooperativa de olho no mercado

A C.Vale, cooperativa agroindustrial que reúne 1.110 aviários, com abate diário de 615 mil aves, também vem seguindo as orientações do Mapa e da ABPA. O supervisor de Sanidade Avícola da instituição, Vinícius Duarte, destaca a importância de os protocolos serem divulgados e seguidos por toda a cadeia de produção de aves no Brasil. “Em uma eventual detecção da doença em território nacional, todos serão afetados”, enfatiza.

A comunicação reforça aos cooperados a gravidade do impacto do vírus na saúde dos animais e no mercado, até pela exigência de certificação de país livre da influenza aviária para o comércio internacional de aves. “Reiteramos que as normas e protocolos visam à sustentabilidade do negócio e que precisamos de todos os elos bem fortes nesse período”, completa.

Duarte elenca alguns protocolos extras de controle que a C.Vale vem adotando, principalmente em relação ao fluxo nas propriedades – seja de materiais, equipamentos e insumos; seja de pessoas.É proibida a entrada de visitas estranhas ao processo nos aviários. “Até mesmo parentes ou visitantes que chegam à propriedade não devem ter acesso às unidades produtoras”, adverte Duarte. O supervisor lembra que há muita gente indo e voltando dos países onde há focos da gripe aviária e, por isso, o cuidado deve ser redobrado.

A cooperativa elaborou uma série de comunicados em vídeo e outros formatos digitais, além de realizar reuniões para reforçar as medidas de prevenção. De acordo com Duarte, os produtores são alertados para o risco que as aves de fundo de quintal representam, por estarem expostas ao contato com aves silvestres. “Não recomendamos o contato com nenhum tipo de ave sem ser da granja, nem mesmo aves ornamentais”, reforça.

Outra orientação aos cooperados é a blindagem do sistema de água da propriedade. “A água pode estar contaminada pelas aves selvagens, por isso indicamos o uso de água subterrânea, sem acesso externo, como a utilização de poço, e com aplicação de o cloro, que funciona como um desinfetante”, explica Duarte. A entidade adota os protocolos previstos pela Instrução Normativa nº. 56, conforme resume o supervisor: “seguimos todas as normas padrão para acesso aos aviários, como a utilização de roupas e botas descartáveis e higienização das mãos, o que vale tanto para evitar a gripe aviária como outras doenças”.

Prevenção coletiva

Todos os esforços de órgãos públicos e da iniciativa privada contra a gripe aviária visa, primeiro, a evitar que a doença adentre as fronteiras brasileiras e, segundo, caso isso aconteça, a impedir que ela se propague. O próprio Mapa expandiu as ações de conscientização ao lançar a campanha “Influenza Aviária? Aqui não!”. A ação procura sensibilizar cidadãos, médicos veterinários, avicultores e polícia ambiental sobre a importância das notificações imediatas de suspeitas, da atenção a qualquer comportamento anormal ou à grande mortalidade de aves comerciais, de fundo de quintal e silvestres, além de saber as noções básicas de prevenção.

Entre os principais fatores que contribuem para sua transmissão estão as aves migratórias e silvestres que transportam o vírus por longas distâncias em suas rotas de migração. Foi assim que, a partir de outubro de 2022, a doença chegou às áreas litorâneas de Colômbia, Equador, Peru, Chile e Venezuela. “Avaliamos ser uma situação que eleva o risco do continente. No entanto, estamos preparados para enfrentá-la por meio do aumento dos níveis de biosseguridade”, afirma Ricardo Santin, presidente da ABPA. O dirigente enfatiza que nos países da América Latina os casos estão restritos às aves costeiras e marinhas, ou seja, fora da produção industrial na grande maioria dos casos.

A auditora Anderlise Borsoi explica que a notificação da suspeita de casos é a melhor maneira de detectar precocemente a possível entrada da gripe aviária no Brasil. Até hoje, mais de 25 mil amostras já foram enviadas ao laboratório oficial – mas nenhuma delas foi confirmada. Nesse montante também estão testagens de amostras coletadas de aves de subsistência criadas em locais próximos a sítios de aves migratórias. O objetivo do Mapa é monitorar a circulação viral, permitir a demonstração de ausência de infecção e manter a certificação do Brasil como país livre da influenza aviária de alta patogenicidade.

Anderlise comenta que, desde outubro de 2021, o ministério vem monitorando o status da doença no mundo todo. “Vemos o cenário com grande preocupação, mas adequamos nossas regras de acordo com a realidade epidemiológica global. Desde a chegada do vírus à América do Sul, entendemos o status como ‘muito crítico’”, comenta. Com isso, o Mapa fez uma revisão do plano de vigilância, incluindo o mapeamento das áreas de maior concentração de aves marinhas e das rotas migratórias.

De acordo com Anderlise, o Brasil está preparado para colocar em prática o plano de contingência no caso de uma possível confirmação da chegada do vírus da influenza aviária. A ação prevê acompanhamento do serviço veterinário público em casos de criações de subsistência e para protocolo mais robusto no caso de planteis da avicultura industrial.

A influenza aviária de alta patogenicidade é caracterizada principalmente pela alta mortalidade de aves que pode ser acompanhada por sinais clínicos, como andar cambaleante, torcicolo, dificuldade respiratória e diarreia. O Mapa alerta que embora seja considerada exótica e jamais tenha sido detectada no Brasil, é uma doença de distribuição mundial, com ciclos pandêmicos ao longo dos anos e com graves consequências ao comércio internacional de produtos avícolas.

Queda na oferta mundial de ovos

A epidemia de gripe aviária já impactou o mercado de ovos. Ao atingir importantes polos de produção, derrubou a oferta pelo mundo. Nos Estados Unidos e na Europa, a doença já provocou a morte de milhões de aves selvagens e de planteis de granjas.

A expectativa de queda na produção de ovos em vários países pode abrir uma oportunidade para que o Brasil aumente sua participação no mercado internacional. E sem prejudicar o abastecimento interno, apesar das dificuldades da cadeia produtiva, principalmente com a alta dos custos de produção. Para a ABPA, o status sanitário é um diferencial competitivo e favorece a produção nacional.

Foto: Globo Rural

 

Fonte: Globo Rural