Em meio a incertezas, cadeia leiteira espera recuperação

23 de janeiro de 2023

A cadeia produtiva do leite sofreu sérios impactos pelos acontecimentos globais em 2022, intensificando as dificuldades já vistas no ano anterior.

Se, por um lado, a vacinação contra a Covid-19 acenava para a volta da normalidade e a retomada da economia, por outro, logo no primeiro trimestre de 2022, o conflito entre Rússia e Ucrânia valorizou as commodities agrícolas e o petróleo, analisa a pesquisadora da Embrapa Gado de Leite Kennya Siqueira.

Grandes produtores de grãos, fertilizantes e petróleo, os países em conflito impediram que a economia global se recuperasse dos anos de pandemia e criaram as condições para aumentos recordes dos custos de produção de leite no Brasil, além do aumento da inflação e da queda da renda do brasileiro, segundo detalha a cientista.

Rentabilidade

Especialistas do Centro de Inteligência do Leite da Embrapa (Cileite) fizeram um balanço do período recente. Os pesquisadores recordam que o ano de 2021 já terminara com dificuldades para o setor, com queda no volume de produção do leite inspecionado (gráfico abaixo), elevando a importação de lácteos em 21,5% no ano posterior.

Nos dois últimos anos, o Índice do Custo de Produção do Leite (ICPLeite) divulgado pela Embrapa registrou crescimento de 62%. A partir do segundo semestre, esse índice iniciou uma lenta retração e, em novembro, o ICPLeite apresentou queda de 1,7%, influenciado principalmente pela retração de 4,5% no custo do alimento concentrado para as vacas.

Ainda assim, o cenário foi de piora na rentabilidade do produtor ao longo do segundo semestre de 2022, pois o preço recebido caiu de um pico de R$ 3,53 por litro de leite, em agosto, para cerca de R$ 2,50, em dezembro.

O impacto também foi sentido pelo consumidor. O consumo anual de leite por habitante foi reduzido de 170,3 litros para 163 litros, segundo estimativa da Embrapa. Em meados do ano, os lácteos atingiram preços recordes.

O bolsista de economia Ygor Guimarães, que atua no Núcleo de Desenvolvimento Econômico da Cadeia Produtiva do Leite da Embrapa, lembra que, em agosto, a inflação do “leite e derivados” chegou a 40,2%, sendo um dos itens que mais influenciou a elevação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

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“O alto custo para alimentar as vacas e a queda na produção durante a entressafra do leite penalizou o consumidor”, aponta o pesquisador do Núcleo Samuel Oliveira. “Podemos afirmar que o Brasil passou por uma crise de oferta de leite”, completa.

No entanto, o quarto trimestre do ano representou algum alívio para os consumidores. Na primeira quinzena de dezembro, o litro do leite UHT no atacado estava cotado a R$ 3,82 (queda de 40,5% desde o final de julho). Já o quilo da muçarela era vendido pela indústria a R$ 28,27 (queda de 34,8%).

O leite spot (leite comercializado entre laticínios) teve a maior deflação; o litro do produto foi cotado em Minas Gerais a R$ 2,34, o que representa um recuo de 43% em relação a julho.

Perspectivas

Para o pesquisador da Embrapa Glauco Carvalho, embora o ano que começa ainda traga muitos componentes de incertezas internas e externas, o mercado brasileiro está se reequilibrando em termos de oferta e demanda. Segundo ele, com a recuperação do mercado de trabalho e melhorias do emprego e renda, espera-se alguma melhoria no consumo de leite e derivados.

Outro fator positivo é a produção brasileira elevada de grãos na safra 2022/2023, contribuindo para uma menor pressão nos custos de alimentação das vacas, sobretudo concentrados à base de milho e soja. “Mas é um ano de muita incerteza ainda, em função da mudança de governo e das diretrizes que serão adotadas, principalmente na área fiscal, que tem impacto direto sobre taxa de juros e câmbio”, diz Carvalho.

No âmbito externo, o analista Lorildo Stock espera que os preços dos fertilizantes recuem com uma solução para a guerra Rússia-Ucrânia. Porém, o cenário de inflação e o baixo crescimento previsto para as grandes economias (Estados Unidos, União Europeia e China) podem refletir negativamente na retomada da economia brasileira.

“A desaceleração da economia mundial poderá gerar algum impacto negativo, ainda que modesto, no segmento lácteo”, avalia Stock.

Gestão e inovação

As mudanças na escala de produção tanto das fazendas quanto dos laticínios devem continuar acontecendo no Brasil. O avanço tecnológico resultou em aumento de 60% na produtividade por vaca, nos últimos dez anos, chegando a 2.200 litros por animal, em 2021.

Já existem cerca de 267 municípios no país com produtividade média superior à observada na Nova Zelândia (4.500 litros/vaca).

“Neste ambiente de mudanças estruturais, a busca da eficiência e da competitividade por meio de boas práticas de gestão e de inovação tecnológica são requisitos indispensáveis para a sobrevivência no agronegócio do leite”, salienta Carvalho.

Foto: Globo Rural

 

Fonte: Globo Rural