El Niño reduz produção de frutos da castanheira na Amazônia

26 de dezembro de 2022

O El Niño mais intenso dos últimos 50 anos causou uma redução de até oito vezes na produção de frutos da castanheira-da Amazônia em 2017. Essa é a conclusão de uma pesquisa desenvolvida em conjunto por várias instituições de pesquisa brasileira, incluindo a Embrapa, para avaliar os efeitos das mudanças climáticas no comportamento e sobrevivência da árvore de grande porte que produz a castanha-do-pará ou castanha-do-Brasil, considerando a sua importância para a conservação do bioma e qualidade de vida dos moradores da Amazônia.

A pesquisa foi publicada na Acta Amazônica, revista científica do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). O El Niño é um fenômeno atmosférico-oceânico que ocorre quando a temperatura das águas do oceano Pacífico Equatorial fica mais quente do que a média normal, influenciando no calor e umidade de várias regiões do mundo. Em 2015 e 2016, esse fenômeno atmosférico afetou toda a região amazônica com uma temperatura máxima mensal de 2,1°C maior em relação à média máxima normal de outros anos.

Os dados foram coletados na Reserva Extrativista do Rio Cajari (Rejex Cajari), unidade de conservação de uso sustentável localizada no sul do Amapá, onde a Embrapa lidera pesquisas de longo prazo sobre a castanheira-da-Amazônia. Os pesquisadores analisaram os números da produção de frutos de 205 árvores em duas florestas da reserva, referentes ao período de 2007 até 2018.

Eles descobriram que os anos com maior produção estavam relacionados com períodos anteriores de temperaturas normais ou abaixo do normal, e com maior quantidade de chuvas, quando houve predominância de La Niña, fenômeno inverso ao El Niño, representado pelo resfriamento anormal das águas do Pacífico devido ao aumento da força dos ventos alísios.

Planejamento estratégico

A engenheira florestal Dayane Pastana, uma das autoras do artigo, diz que a redução drástica na produção de frutos de castanha-da-amazônia em 2017 foi observada em toda Pan-Amazônia e está diretamente relacionada com o aumento da temperatura média do oceano pacífico em mais de 2°C, aumento da temperatura máxima e redução da precipitação local. A queda brusca na produção interferiu na logística de oferta e demanda, aumentando em até três vezes o preço do produto.

“Isso deixa claro que o entendimento da relação entre temperatura, precipitação e produção de frutos é de suma importância para o planejamento estratégico em polos de produção de castanha e na elaboração de políticas públicas para conservação das florestas amazônicas, já que ainda não se sabe até que ponto a espécie mantém seu poder de resiliência produtiva após esses períodos de extremo estresse fisiológico”, disse Dayane, em nota da Embrapa.

O agroextrativista Natanael Gonçalves Vicente, que trabalha com o pai desde os 12 anos na floresta na coleta de castanhas, que é a principal renda da família, disse que a seca nos castanhais começou localizada, mas atingiu depois todas as áreas. “Aconteceu uma queima nas folhas das castanheiras e vimos uma queda bem elevada na produção que chegou a 80%. Houve até morte de algumas árvores.”

Vicente mora na comunidade Martins, também na Resex, e consegue colher por ano 120 hectolitros de castanha no modelo de produção familiar. No ano de 2017, no entanto, a safra da família baixou para apenas 11 hectolitros.

Reflexo sobre o preço

A produção de castanha em todo o bioma sofreu uma queda de 37% em 2017 em relação à média de dez anos, somando 21.651 toneladas, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dados da Embrapa apontam que a baixa produção de frutos da castanheira em 2017 elevou o preço da lata de 11 quilos (unidade de referência para comercialização) de R$ 50,00 para R$ 120,00 em diversas áreas de extrativismo da região.

Outra consequência da baixa oferta de castanha, segundo destacam os pesquisadores, foi o aumento da pressão social e de conflitos nas unidades extrativistas. “Houve relatos de invasões de áreas de coleta por não residentes da reserva, o que nunca havia acontecido antes, e de garimpeiros clandestinos de ouro que deixaram esta atividade para coletar castanha na Estação Ecológica do Jari, que fica próxima à Resex Cajari”, citam os autores no artigo.

Além disso, agroextrativistas relatam roubos de castanhas ensacadas e colocadas ao longo de estradas florestais, prontas para serem transportadas para o mercado, o que aumentou a periculosidade em comunidades tradicionais e reduziu a renda de muitas famílias dependentes do extrativismo da castanha.

Lei proíbe a derrubada

A castanheira (Bertholletia excelsa), ou rainha da Amazônia, é manejada desde os tempos pré-colombianos, pelos povos ameríndios. A árvore está entre as maiores da Amazônia e chega a medir entre 30 e 50 metros de altura e ter tronco de 1 ou 2 metros de diâmetro. Pode viver mais de 500 anos e produz um fruto com alto teor calórico e proteico, que serve de alimento e renda para as comunidades extrativistas.

A castanheira é abundante no Norte do país e na Bolívia, que se tornou o maior exportador mundial depois que a árvore foi alvo do desmatamento na região amazônica brasileira, embora haja uma lei federal de 1965 que proíbe a sua derrubada.

O Estado do Amazonas é o maior produtor de castanha do país, seguido pelo Pará. Na safra 2020, a produção brasileira foi de 33.164 toneladas, de acordo com Pesquisa da Extração Vegetal e da Silvicultura (PEVS). O valor de produção das 11.707 toneladas no Amazonas ou 35% do total, foi de R$ 34,8 milhões.

Foto: Ronaldo Costa

 

Fonte: Globo Rural