Agricultura regenerativa vale para pequenas e grandes propriedades

6 de dezembro de 2022

No coração do agronegócio de Goiás, em Cristalina, o trabalho do engenheiro agrônomo William Matté vem ganhando força e reconhecimento. Ao lado de seus irmãos, Franciele e Gustavo, ele administra um negócio que, atualmente, vem sendo usado como exemplo de uso da chamada agricultura regenerativa, conceito que veio para ficar e que pode ser aplicado em pequenas e grandes propriedades.

Na Fazenda Alvorada, 2 mil hectares são plantados com soja, milho, trigo, girassol, hortaliças e plantas de cobertura. Foi nesta propriedade rural que a família começou a aplicar as técnicas regenerativas, com atenção especial para a saudabilidade do solo. Os Matté decidiram migrar uma área já deteriorada pela soja para hortaliças.

”Manter as técnicas ativas após a irrigação tem se provado um case de sucesso. A nossa maior dificuldade sempre foi manter o processo ativo fora do período chuvoso”, reconhece.

O clima do Cerrado é extremamente seco e o período chuvoso é curto, entre outubro e abril. A preocupação com a irrigação é algo latente da região. Por isso, a família Matté investiu na construção de pivôs para captação de água ao redor da propriedade. Um dos principais capta 230 milhões de litros de água. Outro pivô, com capacidade para 500 milhões já está sendo construído.

A rotação de cultura também tem sido uma importante aliada da regeneração do solo. William Matté conta que eles dividem os experimentos com rotação em três áreas. A primeira é plantada com milho safrinha ou soja precoce. Na segunda área, é plantado um mix de culturas (nabo, trigo, aveia e centeio). A terceira área não recebe nenhuma cultura. Apenas uma forragem de palha para proteção do solo. A rotação com hortaliças também tem sido testada.

O manejo adotado pela família Matté se tornou objeto de estudo da gigante do setor alimentício General Mills, dona das marcas Yoki, Kitano e Häagen-Dazs. Produtores de milho pipoca, batata, amendoim, mandioca e especiarias que fornece para a empresa visitaram a fazenda como parte de um treinamento de campo sobre técnicas de sustentabilidade na produção.

O intuito foi mostrar que a biodiversidade pode ser uma aliada importante entre as técnicas de produção sustentável. E o mais interessante: com melhora na produtividade, saúde do solo, e, consequentemente, mais renda no bolso dos produtores.

A explicação de Matté atraiu olhares de dúvidas dos produtores ao longo de todo o treinamento. Deixar uma área sem cultura alguma plantada é rentável? O experimento com os dados científicos das áreas medidos diariamente, indicam que a resposta é sim.

Em 12 meses, a produtividade da soja passou de 75 sacas para 90 sacas por hectare. E a plantação dependeu menos do uso de agroquímicos. Há quase um ano, não se aplica glifosato na Fazenda Alvorada. A combinação de técnicas, a diversidade de culturas e microrganismos ajudaram a melhorar a oxigenação do solo e fixação de carbono.

Em períodos de seca, é feita a utilização do chamado rolo faca, maquinário usado para amassar ou picar o resíduo de cobertura vegetal no solo, facilitando o plantio seguinte. O que, em última instância, explica Matté, diminui a necessidade de irrigação. ”Não adianta ser uma técnica bonita, precisa ser rentável. Mas acredito que estamos no caminho”, diz.

Richard Borg é agrônomo e produtor de batatas. Já era fornecedor do produto para a marca Yoki desde antes da empresa brasileira ser vendida para a General Mills. Borg possui duas propriedades: uma em Castro (PR) e outra em Itapeva (SP). Juntas, somam 1,5 mil hectares.

O que mais chamou atenção do produtor foi a combinação de técnicas com a irrigação, já que a batata é especialmente sensível ao déficit hídrico. Além disso, a rotação de culturas poderá ser uma boa aliada para a preservação da saúde do solo.

”O maior desafio é encontrar espécies sinérgicas de coberturas verdes, que melhor se encaixem no plano geral de cultivo. De toda forma, queremos implementar o esquema de rotação de culturas em toda fazenda a partir da próxima safra”, disse Borg.

Também localizada em Cristalina (GO), a Agrícola Wehrman também foi visitada pelos participantes do treinamento. A propriedade é uma evidência de que as técnicas de agricultura regenerativa podem ser aplicadas também em grandes propriedades rurais, em sistemas produtivos de larga escala. Na fazenda, há plantio de alho, batata, cebola, soja e trigo com irrigação. E a utilização de agroquímicos é controlada.

Em 2021, a Wehrman iniciou seu projeto de uma biofábrica, que saiu do papel neste ano. O manejo de bactérias para o controle biológico nas plantações já começou a ser feito e, no futuro, deve ser implantado também para fungos.

De acordo com os gestores do negócio, custos com esse tipo de manejo caíram de forma expressiva. Enquanto o biológico comercial custa cerca de R$ 3 mil por hectare, o feito na fazenda sai por R$ 600 por hectare, estima o grupo.

A Wehrman ainda empresa cerca de 2 mil funcionários nas colheitas. Nas contas do grupo, 700 são efetivos. Os demais, são safristas contratados de forma temporária, vindos, principalmente, do Nordeste brasileiro, como Bahia, Ceará e Maranhão.

Milho pipoca com agricultura regenerativa

A americana General Mills lidera o mercado de milho para pipoca no Brasil desde 2012, após a aquisição da Yoki. O valor do negócio foi estimado, na época, em R$ 2 bilhões. A General Mills não possui terras próprias no país, mas arrenda terras e constrói parcerias com seus produtores.

O polo mato-grossense de Campo Novo do Parecis é responsável por toda a produção de milho pipoca da empresa, destinada, principalmente para o consumo interno. Em 2020, a região foi alvo de um estudo feito pela multinacional em parceria com o Imaflora, para atestar a eficácia de práticas regenerativas.

O estudo indicou que as emissões de gases de efeito estufa nas propriedades de milho pipoca na região foram 70% menores em comparação com a média mundial. Constatou ainda que o uso de técnicas como o plantio direto e a integração lavoura-pecuária tem potencial de manter os estoques de carbono no solo em níveis semelhantes aos da vegetação nativa.

Nos Estados Unidos, onde está sediada, a General Mills mantém um polo de pesquisa sobre agricultura de baixo carbono. Franciele Caixeta, coordenadora de pesquisa e desenvolvimento agro da multinacional para a América Latina, afirma que a preservação da biodiversidade, como a de pássaros e abelhas, já está incorporada ao cotidiano americano e é algo que ainda engatinha aqui.

”Lá [nos EUA], por exemplo, notamos que a aveia depende da abelha para sua polinização. Logo, faz ainda mais sentido essa preservação”, conta.

Franciele conta que a tendência de diminuição de áreas férteis no Brasil e no mundo tem incentivado uma mudança. A empresa, segundo ela, assumiu o compromisso de até 2025 reduzir em 28% a emissão de gases de efeito estufa em sua cadeia produtiva, e em 100% até 2050. Para 2030, a empresa também diz que trabalhará com 100% de energia limpa e sustentável em todas as suas fábricas no mundo. E planeja intensificar duas vezes ao ano os treinamentos com seus produtores.

Foto: Divulgação

 

Fonte: Globo Rural