Um ano de conflito: como a Guerra na Ucrânia afetou a agricultura brasileira

24 de fevereiro de 2023

A Guerra na Ucrânia completa um ano, repleta de indefinições. As incertezas dominam os rumos do conflito e se estendem para os impactos na economia global.

O agronegócio, que teve preços e fornecimento internacional de insumos e commodities afetados, tenta se adaptar ao novo cenário, no aguardo de novos desdobramentos políticos.

A duração do conflito deve determinar a capacidade de plantio e exportação da Ucrânia, importante fornecedor global de trigo, milho e óleo de girassol.

Já a Rússia, que foi pouco afetada na produção, tenta driblar as sanções impostas por importadores e que têm dificultado o escoamento dos seus produtos. Ambos os casos impulsionaram os preços das commodities e insumos em todo o mundo no último ano.

Agora, os valores dos fertilizantes retornaram aos índices pré-conflito, mas o impacto nos custos de produção do Brasil deverá ser sentido somente na safra de inverno e na safra de verão 2023/2024. O momento atual é de expectativa.

“Para o agronegócio brasileiro, ao mesmo tempo em que a guerra tornou evidente a dependência do país à importação de insumos do Leste Europeu e fez os produtores sofrerem com o aumento do custo de produção, o conflito viabilizou o aumento de exportação de trigo e milho, em função da menor produção na Ucrânia e das dificuldades da Rússia em escoar a produção”, comenta Lucas Martins, assessor técnico da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

Custos

Entre os insumos, os fertilizantes foram de longe os que tiveram os preços mais elevados. Os preços internacionais já estavam em alta desde o início da pandemia, mas os valores dispararam após o início da guerra.

“Quando a guerra começou, muitos produtores brasileiros não haviam comprado os insumos para a safra de verão 2022/2023 e houve receio de falta de produtos. A corrida pelos fertilizantes, na época, elevou os preços em até 40%”, recorda Martins.

O impacto nos custos nas lavouras brasileiras foi grande. O Brasil é o quarto maior consumidor global de fertilizantes e o maior importador mundial desses insumos.

85% dos fertilizantes consumidos no país são importados, e a Rússia responde por 23% dessas importações, de acordo com a Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda).

Em 2022, o Brasil reduziu em 8,4% o volume de fertilizantes importados, mas gastou 63% a mais do que em 2021. No total, 38 milhões de toneladas custaram cerca de U$ 25 bilhões.

Um ano antes, 41 milhões de toneladas haviam custado U$ 15 bilhões, segundo o o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea).

A CNA avalia que a safra 2022/2023 já é a mais cara da história.

Para reverter a dependência internacional, a solução é pensada a longo prazo. “A situação levou à necessidade de evolução das discussões internas sobre alternativas, seja na busca de novos fornecedores, como Canadá e Estados Unidos, seja por meio do aumento da produção nacional de insumos e busca de novas soluções tecnológicas. Mas é um cenário a ser transformado a longo prazo”, avalia Annelise Sakamoto Izumi, analista de fertilizantes do Itaú BBA.

“Há uma tendência nas pesquisas para a realização de proteção de cultivos e nutrição de plantas pela biotecnologia e soluções sustentáveis. É um movimento crescente, a ser observado, mas que deve ser complementar aos insumos utilizados atualmente”.

Vendas externas

O comércio do milho e do trigo, duas das principais commodities agrícolas exportadas pelo Leste Europeu, foram fortemente impactadas pela guerra.

Frente à especulação sobre a dificuldade de produção de milho na Ucrânia e do escoamento da produção de trigo na Rússia, os preços subiram e aceleraram a inflação no mundo.

“No início da guerra, o cenário era de incertezas. A Ucrânia não havia plantado a safra de milho e a Rússia passou a sofrer sanções de países importadores. A especulação gerou aumento dos preços e reorganização do comércio global”, avalia Martins.

Nesse sentido, o impacto ao Brasil foi positivo. As exportações de milho, que vinham recuperando espaço perdido em 2021, foram impulsionadas pela abertura da China ao mercado brasileiro.

“Em novembro de 2022 o Brasil enviou o primeiro carregamento à China, que já passou a ser um mercado importante. Além disso, como a China comprou mais do EUA, eles deixaram de atender pequenos países, que recorreram ao grão brasileiro”, observa Martins, da CNA.

Em 2022, a China comprou 1,16 milhão de toneladas. Apenas em janeiro deste ano já foram 984 mil, segundo a Secex (Secretaria de Comércio Exterior).

A atual safra brasileira deve chegar a 125 milhões de toneladas, o que corresponde a cerca de 10% da produção mundial. A expectativa é que as exportações alcancem 50 milhões de toneladas.

Com isso, o Brasil deverá liderar as exportações mundiais de milho, à frente dos Estados Unidos, que sofreram quebra considerável, em função da seca, assim como aconteceu na Argentina.

A receita das vendas externas de milho aumentou 166,4% em janeiro e chegou a US$ 1,8 bilhão. O volume embarcado também foi recorde para o mês, com 6,2 milhões de toneladas, impulsionado pelas compras da China.

O comércio de trigo também foi impactado diante das incertezas do mercado em 2022. Juntos, Rússia e Ucrânia correspondem a 28% das exportações mundiais e havia receio de falta de produtos. A preocupação com a baixa oferta alavancou os preços.

Apesar de já ter voltado aos valores pré-conflito, a alteração ao longo de 2022 foi significativa. O preço saltou de US$ 7,58 por bushel (27,2 kg), no começo de janeiro, para US$ 9,26, no dia da invasão, atingindo US$ 13,40 no início de março de 2022.

A alta nas cotações e a demanda internacional tiveram reflexos no campo. A produção nacional de trigo dobrou nas últimas quatro safras, saltando de 5,2 milhões de toneladas na safra 2018/2019 para 10,6 milhões de toneladas em 2022/2023.

Já as exportações triplicaram em um ano. Em 2022, o Brasil exportou 3,1 milhões de toneladas de trigo, ante 1,1 milhão de toneladas em 2021. A quebra da safra argentina também influenciou o cenário.

Novas regiões produtoras, como o Cerrado, viabilizadas a partir do desenvolvimento de variedades adaptadas, incentivaram o aumento do plantio, ressalta Lucas Martins, da CNA.

“Os bons resultados são influenciados pelas condições de mercado, uma vez que a demanda pelo cereal segue aquecida e a oferta mundial restrita. Além dos impactos da guerra, a quebra da produção na Argentina, em função das condições climáticas adversas, também interferiu nas negociações brasileiras. O cenário tem incentivado o produtor brasileiro”, avalia Felipe Serigati, pesquisador da FGV Agro (Fundação Getulio Vargas).

A comercialização mundial, entretanto, segue instável, pontua Guilherme Bellotti Melo, gerente de consultoria agro do Itaú BBA.

Atualmente, a Ucrânia tem autorização da Rússia para a exportar seus grãos via Mar Negro, mas o acordo expira em menos de um mês, e o governo russo não confirmou a renovação, alegando que não vai prorrogá-lo se não houver a retirada de algumas sanções. A postura é a mesma da data da última renovação, que ocorreu em novembro de 2022.

Foto: Divulgação

 

Fonte: Globo Rural