Soja e milho “tokenizados” pagam de café a carro zero e viagem

30 de agosto de 2022

Um produtor rural entra na concessionária, escolhe uma caminhonete e paga à vista com soja. Outro entra em uma loja de eletrônicos, compra um smartphone para o filho e paga com milho. Isso já é possível, mas engana-se quem pensa que, para fazer isso, o agricultor chega no estabelecimento com pilhas de sacas de grãos. Essas operações estão se tornando cada vez mais possíveis com a chamada tokenização, uma representação digital de um ativo físico, no caso, produtos agrícolas guardados em armazéns.

Os grãos “tokenizados” são o negócio da Agrotoken, startup criada na Argentina e que deve lançar em setembro sua plataforma no Brasil, onde começou a operar em abril. Segundo executivos da empresa, a partir de outubro, produtores rurais já devem poder pedir um cartão de crédito associado à bandeira Visa e vinculado a volumes de grãos representados por um token para bancar operações financeiras, mesmo as mais simples e cotidianas.

Anderson Nacaxe, diretor da startup no Brasil, explica que diz que o modelo é semelhante a uma operação de barter, em que se trocam grãos por insumos, mas de uma maneira muito mais funcional. “Em termos simples, o token digital tem a mesma função de uma ficha da quermesse, que mantém seu valor, mas de forma digital e com tecnologia de ponta para a segurança da transação”, exemplifica.

O objetivo da tokenização, diz Nacaxe, é dar liquidez ao produtor que tem seu dinheiro imobilizado em grãos depositados nos armazéns. “A tecnologia dos grãos digitais vai permitir ao agricultor comprar fertilizantes, equipamentos agrícolas, carros, ir para a Disney, pagar combustível, solicitar empréstimos ou simplesmente tomar um café no Starbucks”, diz o executivo.

Foi justamente em uma cafeteria da rede americana a primeira transação desse tipo realizada na Argentina. Um produtor de milho entrou na loja, fez o pedido e, fazendo a leitura de um QR Code, por meio de um aplicativo de celular, pagou com 0,021 token de milho, o equivalente a US$ 4,26.

“No ato da emissão, a plataforma realiza uma compensação em volume do montante correspondente ao lastro e ao montante em tokens, na proporção de 1 para 1, isto é, 1 token equivale a 1 tonelada do ativo físico agrícola, como soja e milho”, diz o diretor.

Ele ressalta que o token é do tipo fungível, vale a mesma coisa em qualquer lugar, e tem seu preço atrelado a índices aceitos pelo mercado para cada commodity, como Esalq, Cepea, Argus, Platts e Safras & Mercados, sendo publicado em tempo real na plataforma. O token também não pode ser confundido com criptomoedas como o bitcoin, que não têm lastro.

Startup já estuda ampliar sistema

Por enquanto, a tokenização só vale para grãos armazenados em armazéns de terceiros, mas a startup estuda formas de estender o modelo para armazéns próprios e também para a produção futura, ou seja, aquela que ainda não foi colhida. Nessas operações futuras, vai buscar parcerias com seguradoras para mitigar as operações.

Na Argentina, a empresa atua desde setembro de 2021 e já tokenizou 140 mil toneladas de grãos. No Brasil, a primeira operação foi fechada com a AgroGalaxy, plataforma de insumos e serviços agrícolas: 550 toneladas de soja foram transformadas em ativos digitais fungíveis por meio da rede Polygon. O total tokenizado no país atualmente é de 12 mil toneladas. A meta é chegar a 100 mil toneladas de grãos 100% digitais até o final do ano.

Anderson diz que o modelo teve uma aceitação muito rápida na Argentina e espera o mesmo no Brasil. Tanto que o objetivo é fechar 2023 com 1 milhão de toneladas na plataforma. Por enquanto, serão tokenizados no país apenas soja e milho, mas está sendo estudada a inclusão de etanol e carne nas operações.

Para viabilizar todos os planos, a startup que tem 76 pessoas trabalhando na Argentina, 30 desenvolvedores de tecnologia no Uruguai e mais 10 no Brasil está em busca de parcerias comerciais e de investidores. Em julho, a empresa foi uma das três startups vencedoras da competição global Santander X Global Challenge.

Segundo Nacaxo, estão na mira da Agrotoken tanto os produtores grandes como os médios e pequenos, cooperativas e revendas. Por enquanto, a empresa não cobra taxas, mas o modelo de negócios prevê a cobrança de taxas por transação.

Foto: Ernesto de Souza/Ed. Globo

 

Fonte: Globo Rural