Soja convencional deve ter rentabilidade recorde na safra 2022/2023

19 de dezembro de 2022

O Instituto Soja Livre prevê aumento na receita líquida do produtor em até 70%, com prêmios chegando a até US$ 12 a saca de 60 quilos em relação ao grão transgênico.

Depois de passar por um período de pouca evolução nos últimos anos, a soja não geneticamente modificada volta a pagar prêmios históricos e traz projeções favoráveis para 2022/2023. “A soja convencional pode garantir ao produtor brasileiro um aumento de 60% a 70% na receita líquida”, prevê Eduardo Vaz, gerente executivo do Instituto Soja Livre. “Hoje, tem rentabilidade melhor em comparação à transgênica”, completa.

O cultivo da soja convencional ocupa hoje 986,2 mil hectares no país, segundo estimativa do Instituto Soja Livre. A área representa 2,3% dos 43,4 milhões de hectares que serão cultivados com a oleaginosa na safra 2022/2023, de acordo as previsões da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Apesar de o custo de produção da soja convencional ser aproximadamente 3% superior ao cultivo da semente geneticamente modificada, os prêmios médios pagos pela soja livre têm alcançado patamares que chamam a atenção, chegando a US$ 10 e US$ 12 por saca nos contratos registrados para a safra 2022/2023 – o que representa um ganho de US$ 6 a US$ 7 a mais em comparação ao grão transgênico. “Assim, a rentabilidade do produtor equivale a 7,5 sacas por hectare, a mais, em relação à transgênica”, contabiliza Vaz.

Os valores referem-se à média das negociações registradas em Mato Grosso, onde o cultivo da soja livre aumentou em 4,1% em relação à safra passada. Os outros estados produtores são Paraná, Goiás, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul que, juntamente com MT, representam pouco mais de 90% da soja convencional produzida no país.

Potencial de crescimento

A maior rentabilidade levou a produtora rural e engenheira agrônoma Vitória Cimadon a voltar neste ano a plantar a soja convencional em parte da sua propriedade, em Campo Verde (MT). Dos 2,5 mil hectares cultivados, 500 hectares são destinados à soja livre. “A gente gosta dela por três motivos: o melhor preço; a resistência aos nematoides, pois por ser mais rústica, se sai melhor; e a produtividade, que também é maior”, avalia Vitória.

Ela conta que ainda não negociou a safra deste ano, mas tem acompanhado o mercado e acredita em boas possibilidades. Por manter as lavouras da soja convencional e da transgênica lado a lado, consegue observar e comparar o desenvolvimento das plantas. “Está há uma semana sem chover e deu para perceber que a convencional aguenta mais, se sobressai”, analisa.

Com o avanço da tecnologia aplicada ao campo, as cultivares da soja convencional têm maior resistência a lagartas e nematoides, mas ainda assim precisam de mais cuidados, uma vez que passam por rastreamento e certificação. “Se fizer o pré-manejo e o pré-emergente de maneira adequada, o produtor pode não ter problema com a convencional. No nosso caso, estou tendo que aplicar inseticida nas duas e está elas por elas”, conta Vitória. Frente a tudo isso, afirma que a tendência é aumentar a área de soja convencional nos próximos anos.

O produtor rural Elton Hamer também planta a soja convencional em sua propriedade localizada em Gaúcha do Norte (MT). Em uma área de 1,3 mil hectares, 1 mil hectares são destinados ao plantio de soja e, destes, 600 hectares – ou 60% – são para a oleaginosa convencional. Engenheiro agrônomo e doutor em Ciência e Tecnologia de Sementes, Hamer também é pequeno produtor de sementes da soja livre e utiliza os 300 hectares restantes para cultivar a M-Soy 8866 Monsoy.

Ele acredita que, atualmente, o custo de produção dos dois tipos de soja – convencional e transgênica – não é muito diferente. “Pela soja convencional é pago um prêmio, porém se gasta mais, eventualmente, pelo controle de ervas daninhas. Já a Intacta (transgênica) tem resistência à lagarta, mas temos que entrar com pesticida para controle de percevejos. Então, dá na mesma”, analisa.

Hamer destaca a bonificação como vantagem da soja convencional, mas adverte que a rentabilidade depende da cultivar e está relacionada à estrutura do produtor rural. “Mantenho um intenso controle de qualidade, da semente à colheita, todo ano, para entregar um produto que me dê um prêmio”, comenta. Por se tratar de um nicho de mercado que apresenta competitividade, ele acredita que o cultivo da soja livre não é indicado para todo produtor, mas vê o futuro da cultura como promissor, principalmente por causa das incertezas em relação à transgenia.

Demanda crescente

O maior comprador da soja não geneticamente modificada produzida no Brasil é a Europa. Holanda, França e Alemanha estão entre os principais mercados. Endrigo Dalcin, diretor de Relações Internacionais do Instituto Soja Livre, explica que, antes da pandemia, a Índia teve um excedente e entrou com força no mercado europeu, afetando os negócios brasileiros. “O prêmio sumiu e o preço da soja convencional ficou no mesmo preço da soja transgênica – o que desestimulou o produtor a plantar a convencional”, frisa.

Com a pandemia, a Índia bloqueou a exportação do produto, a fim de resguardar a produção para o mercado interno. “Isso abriu novamente a demanda europeia, só que a produção brasileira da soja convencional tinha caído muito”, relata Dalcin. A partir daí, o interesse pelo produto do Brasil trouxe um novo fôlego ao setor e, nas duas últimas safras, houve uma melhora significativa de prêmios. “É um processo, precisa começar pela semente, passar por todas as etapas necessárias, para plantar no próximo ano. Agora estamos voltando a aumentar as áreas de plantio convencional”, diz ele.

Dalcin observa ainda que o prêmio pago pela soja convencional visa a remuneração de toda a cadeia, uma vez que ela exige mais cuidados, pois tem rastreabilidade em todo o processo e mais certificações. O aumento da demanda europeia daqui para frente, bem como a entrada da China nesse setor são diferenciais. “Os chineses já estão demandando a soja convencional, o mercado vai se abrir, essa é a tendência mundial”, acredita. A entrada de grandes players do setor nesse nicho, como a multinacional Bunge, são um demonstrativo, para Dalcin, de que “alguma coisa tem lá na frente”.

Novas cultivares

O setor responde com avanço e investimento em tecnologia, variedades produtivas e competitivas. Odilon Lemos, pesquisador da Embrapa Soja e diretor técnico do Instituto Soja Livre, destaca que atualmente há cultivares da soja não modificada geneticamente com todas as características relevantes para o produtor. “Por meio de pesquisas, estão sendo desenvolvidas novas cultivares, mais completas, com teto produtivo mais elevado. Hoje, por exemplo, há cultivares convencionais com tolerância à ferrugem asiática e a nematoides”, afirma.

Lemos comenta que o mercado disponibiliza cultivares consagradas e novas. “O produtor está satisfeito, mas sempre quer novidades, quer que a gente vá acompanhando o desenvolvimento do mercado e entregue cada vez mais cultivares melhores”, revela. Há cultivares que estão no mercado há um bom tempo, com nível de produtividade muito interessante – às vezes, o produtor opta pela que ele já conhece. “Mas estamos sempre desenvolvendo cultivares mais avançadas”, observa.

Em termos de variedades, o foco está no interesse do produtor em obter a produtividade compatível com o que as cultivares transgênicas oferecem. Os pesquisadores trabalham para que isso ocorra, pois é fundamental que haja cultivares da soja convencional com alto teto produtivo, pelo menos compatível com a soja transgênica. “Se o produtor tem produtividade de 60 sacas/hectare com a transgênica, precisa conseguir 60 sacas/hectare com a soja convencional. E mais o prêmio – é assim que ela paga melhor”, analisa.

O pesquisador explica que a remuneração extra visa justamente esse controle de qualidade da soja convencional. “O prêmio é decisivo para que o produtor escolha implantar ou não a soja convencional. Aí ele precisa fazer os cálculos se com o valor do prêmio compensa plantar a soja convencional ou não”, orienta Lemos. Ele reforça a importância da bonificação paga pela soja livre para estimular a produção no Brasil, considerando que um prêmio atrativo é de suma importância para que o produtor consiga se manter no negócio e para que toda a cadeia possa ser remunerada por se dedicar a esse nicho.

O mercado europeu busca sustentabilidade e, segundo o pesquisador da Embrapa, a soja convencional é sustentável – assim como a transgênica. “O sistema de produção brasileiro é extremamente sustentável – está entre os mais sustentáveis do mundo. Boas práticas em ambos os sistemas são mantidas. O produtor tem consciência da necessidade de manter o sistema produtivo, porém sustentável”, analisa. E finaliza: “hoje, com a tendência de se utilizar cada vez mais os produtos biológicos, o produtor tem consciência. Além disso, a pesquisa mostra que os fatores biológicos do solo importam, a qualidade química, física e biológica do solo – ter vida no seu solo – é sustentável e traz retorno”.

Foto: Elton Hamer

 

Foto: Globo Rural