Mudança no padrão de classificação da soja divide indústria e produtores

23 de setembro de 2022

Proposta em fevereiro deste ano pelo Ministério da Agricultura, a revisão no padrão oficial de classificação da soja – vigente desde 2007 – tem dividido representantes da indústria de processamento e dos produtores. Tradings e exportadores criticam o que veem como uma flexibilização dos percentuais mínimos de inconformidade praticados hoje. Já os produtores reclamam do maior rigor nos padrões de umidade dos grãos e defendem a que a norma seja obrigatória a todas as transações – o que não ocorre atualmente.

“Nós, da indústria, temos várias críticas à proposta. Pela questão da classificação em si, se é obrigatória ou não; dos tipos, que foram divididos em muitos e aceitam um percentual de avariado muito alto; e tem uma definição que não é precisa sobre o que são sementes de outras espécies”, resume o presidente executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), André Nassar.

O único ponto considerado positivo, explica, é a possível redução do teor máximo de umidade dos grãos, de 14% para 13% – justamente a mudança criticada pelos produtores de soja.

“Afeta diretamente o setor produtivo. Se você for fazer um cálculo matemático, dá milhares de sacos produzidos no Brasil que deixariam de ser computados porque você está baixando o teor de umidade do grão. Então, como a gente tem hoje um cálculo ruim feito principalmente sobre o desconto de soja avariada, teria que achar um meio termo”, avalia o vice presidente região sul da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja), Jorge Diego Giacomelli.

O desconto ao qual Giacomelli se refere é aplicado a cada percentual de inconformidade observada acima do máximo permitido pela tabela adotada pelo comprador da oleaginosa. Quanto mais grãos fora do padrão, menor o valor recebido pelo produtor. Embora as normas previstas na Instrução Normativa atualmente em vigor sejam obrigatórias apenas em compras oficiais do governo, importação e destinação ao consumo humano, ela costuma balizar os contratos realizados entre produtores e processadores. Hoje, o percentual máximo de inconformidade é de 8%.

Flexibilização

A nova legislação, por sua vez, não muda padrões aplicados na soja para consumo humano, mas cria quatro novas classificações para o grão usado como matéria-prima para outros subprodutos, como óleo e ração animal, além de um grupo especial para oleaginosas de alto teor de proteína e óleo (acima de 40% e 20%, respectivamente). Todas as novas categorias, contudo, possuem percentuais mínimos de inconformidade igual ou superior ao praticado atualmente no país, flexibilizando as normas atuais e indo ao encontro da demanda dos produtores em relação aos descontos sobre a soja avariada.

“Hoje se tem estudos com publicados cientificamente que mostram que essa soja avariada é tão boa quanto a considerada padrão. Serve para alimentação animal, para fazer óleo. Tanto é que o comprador desconta esse valor do produtor mas não joga essa soja fora, ela vai ser aproveitada no processo de produção”, argumenta o vice-presidente região sul da Aprosoja.

“O maior problema é que, quando a indústria começa a receber soja muito avariada, essa soja começa a deteriorar as demais dentro do armazém. Então, um armazém com muita soja avariada requer uma atenção diferente”, explica Nassar, ao mencionar o aparecimento de insetos, doenças e consequências na qualidade do produto final. “O grão avariado aumenta a acidez do óleo e aí tem que corrigir isso e gera um monte de custos na indústria”, completa o presidente executivo da Abiove.

Nassar critica ainda outro ponto que ele avalia como uma flexibilização da nova norma: a definição de grãos fermentados. “Na norma atual, eles só falam que não pode ter grão fermentado, na nova estão dizendo que o grão fermentado é aquele que compromete mais da metade do cotilédone dele. Então ele está aceitando como grão sadio um grão que tem 50% de danificação no cotilédone dele, flexibilizando a definição dos fermentados”, observa.

Ele argumenta ainda que a nova padronização, do modo como está proposta, é inferior a adotada pela China, principal cliente internacional do Brasil, e pelos EUA e Argentina, nossos principais concorrentes. “Se houver um desalinhamento dos nossos tipos e das características, que é o total de avariados principalmente, se a gente admitir um percentual maior que o padrão chinês, por exemplo, vai gerar problema”

Construindo consensos

O Ministério da Agricultura reconhece que mudar a padronização oficial da soja é um tema que divide indústria e agricultores e afirma que vem atuando como um mediados de interesses.

“Claro que a gente escuta as críticas de ambos os lados e que tem uma polarização de interesses aí, mas o Mapa entende que a cadeia como um todo tem que ser beneficiada”, avalia o diretor do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal (DIPOV), Glauco Bertoldo, ao reconhecer que “todo mundo vai ter que ceder um pouco para poder chegar num entendimento de texto melhor possível para ser publicado nesse momento”.

Entre as alterações adiantadas por Bertoldo, está a diminuição do número de categorias da soja usada como matéria prima (Grupo II) – algo que foi criticado tanto por produtores quando por processadores durante evento realizado esta semana em Brasília para discutir a revisão do padrão oficial da oleaginosa.

A perspectiva do setor é que sejam estabelecidos três ao invés de cinco tipos, sendo um mais flexível e outro mais rígido do que o atual. Em relação à obrigatoriedade ou não da nova norma, o diretor do DIPOV evita dar detalhes, mas indica que tudo deve continuar como está.

“Qualquer alteração sobre a obrigatoriedade é necessariamente uma mudança na lei e se essa mudança vier – não posso dizer se vem – é do Parlamento e não do Executivo. O executivo não poderia torna-la obrigatória sem a alteração no Congresso Nacional”, completa Bertoldo ao dar ênfase aos consensos estabelecidos até aqui. “O que ficou pacífico para todos que estavam no seminário, e estavam bem representados, é que a mudança tem que vir para estimular a melhoria da qualidade. Isso não resta dúvida”, conclui Bertoldo.

Foto: Getty Images

 

Fonte: Globo Rural