Leguminosa desmódio ajuda a aumentar em até 60% a produção de carne bovina

26 de outubro de 2022

Aumento de peso do gado de até 60% na comparação com uma pastagem sem uso de nitrogênio, redução em 30% do tempo do abate e, consequentemente, custo menor para o criador e menos emissões de metano. Essas são algumas das vantagens identificadas em estudo feito durante quatro anos do uso consorciado de capim marandu (Brachiaria brizantha) com a leguminosa forrageira pouco conhecida no Brasil Desmodium ovalifolium, ou simplesmente Desmódio.

O estudo feito pelo pesquisador Robert Michael Boddey, da Embrapa Agrobiologia, com sede em Seropédica, no Rio de Janeiro, acaba de ser publicado no periódico Grass & Forage Science, um dos mais importantes do mundo na área de forragicultura. “A introdução da leguminosa teve o mesmo impacto da aplicação de 150 quilos de fertilizante nitrogenado por hectare ao ano na pastagem”, disse o cientista, de acordo com o divulgado pela Embrapa.

Segundo ele, além de baixar os custos pelo abate mais cedo do animal e reduzir a emissão do metano entérico (ou arroto do boi), um dos compromissos que o Brasil assumiu na COP-27, o Desmódio reduz também a emissão de óxido nitroso, um dos mais potentes gases de efeito estufa. Segundo pesquisas, cada quilo de nitrogênio aplicado no campo emite óxido nitroso equivalente a pelo menos quatro quilos de CO2 e cada animal adulto no pasto emite entre 50 e 60 quilos de metano por ano.

A redução do uso de fertilizante nitrogenado na pastagem com o desmódio possibilita ainda eliminar as emissões de CO2 fóssil resultante da fabricação, transporte e aplicação no campo. Calcula-se que para cada 100 quilos de nitrogênio, ocorra a emissão de 450 quilos de CO2 equivalente. “Além desse ganho para o meio ambiente, há a possibilidade de reduzir o gasto com o fertilizante, que atualmente está em torno de 300 dólares por hectare de pastagem”, lembra o cientista.

O também pesquisador da Embrapa Segundo Urquiaga ressalta que os resultados obtidos com o uso do Desmódio ganham especial importância porque o aumento de custos dos fertilizantes, catalisado pela guerra entre Rússia e Ucrânia reduziu o uso dos adubos nitrogenados nas pastagens. “Atualmente, estima-se que menos de 5% das pastagens brasileiras recebam algum tipo de adubo nitrogenado.”

Leguminosa perene

O Desmódio é uma leguminosa forrageira perene, originária da Ásia. A planta é um subarbusto que pode atingir até um metro de altura e o caule praticamente não tem pelos. As flores são púrpuras ou rosa-escuro, tornando-se azuladas após a completa abertura.

Britânico radicado no Brasil há 40 anos, Boddey disse que o uso de leguminosas nas pastagens não é uma opção muito adotada pelos pecuaristas devido ao fato de as sementes serem caras e as espécies utilizadas não apresentarem boa persistência associada com o capim marandu. Em geral, depois de algum tempo no campo a leguminosa diminui ou morre, sendo necessária a renovação do pasto, o que significa mais custo e trabalho.

No caso do Desmódio, não há essa desvantagem, segundo o pesquisador, porque é possível manter a leguminosa no pasto por mais de nove anos, já que as raízes crescem rente ao solo e dão origem a uma nova planta, tornando desnecessário ficar renovando o pasto todos os anos. O ideal, diz o cientista, é entrar com o gado quando a altura do Desmódio estiver chegando a 30 centímetros e retirar os animais quando a altura média for de 15 centímetros.

O pesquisador não soube estimar o custo das sementes do Desmódio porque o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) só liberou sua multiplicação pela empresa Matsuda no ano passado. “Espero que o preço seja o mesmo de outras leguminosas. É a velha história de quem vem primeiro: o ovo ou a galinha. A semente de Desmódio não teve mercado até agora porque não tem produção, mas é usada em experimentos na Ceplac (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira) há 20 anos.”

Boddey acrescenta que, quando era criança na Inglaterra, brincava em pastagens que tinham consórcio de trevo branco, outra leguminosa que tem a capacidade de fixar nitrogênio no solo, com capim azevém e que essa associação também teve relativo sucesso na Austrália. “No Brasil, a crença da maioria dos produtores é que o consórcio de capim com leguminosa não funciona. Nossa pesquisa mostra o contrário.”

O alto teor de tanino, composto químico presente principalmente na casca, caule, folhas e sementes do Desmódio, pode ainda ajudar na digestão do gado, reduzindo a emissão do metano. Dados preliminares usando uma espécie de coletor acoplado ao animal para recolher durante um período o gás emitido mostram que a redução pode ser maior que 10%.

A pesquisa

O estudo de Boddey foi realizado na Estação Experimental de Zootecnia da Ceplac, no município de Itabela, sul da Bahia. Foram comparadas três áreas de pastagens, sendo uma mista com Desmódio e capim-marandu sem a aplicação de fertilizante nitrogenado, uma outra com monocultura de braquiária com aplicação de 150 kg de nitrogênio por hectare ao ano (pasto adubado) e uma terceira área com monocultura de braquiária sem adubação nitrogenada. “É importante destacar que estes resultados com o Desmodium ovalifolium são válidos para este bioma”, enfatiza o pesquisador.

Claudia de Paula Rezende, pesquisadora da Ceplac que trabalha há mais de duas décadas avaliando o uso de leguminosas nas pastagens, diz que o manejo do Desmódio exige tanto quanto outras espécies. “O produtor precisa ver o pasto como uma lavoura para a qual ele tem que fornecer nutrientes suficientes para que ela se torne perene e possa dar resultados tanto no animal como no sistema todo.”

Ela orienta o criador a não plantar o Desmódio junto com o capim porque a leguminosa tem uma semente muito pequena e, quando colocada junta na máquina, o capim cai primeiro no solo. A forma que ela considera mais fácil é adicionar as sementes do Desmódio na alimentação do boi.

“Nós adicionamos em torno de 100 gramas de sementes não escarificada, o boi vai ingerir, vai defecar no pasto e as sementes se estabelecem e se desenvolvem”, explica a zootecnista.

Foto: Embrapa Agrobiologia

 

Fonte: Globo Rural