Emprego cresce no agro e atrai profissionais de outras áreas

28 de julho de 2022

Com produção em alta ano após ano e a criação de novas demandas em decorrência da busca pela sustentabilidade ambiental, o agro tem atraído a atenção de profissionais de outros setores. Para avaliar se a economia recuperou níveis de emprego pré-pandemia, o Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGVAgro) fez uma pesquisa inédita, que calculou a média mensal do nível de ocupação a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). ,

O estudo comparou os dados da PNAD de março de 2019 a abril de 2020 com o período de abril de 2021 a março de 2022. Revelou que, enquanto o Brasil perdeu 1,035 milhão de ocupados no período, o agro (agropecuária e agroindústria) gerou 463,69 mil postos de trabalho. Só a agricultura gerou 544,5 mil vagas, enquanto que o saldo foi negativo para pecuária e agroindústria.

“O agro não só contribuiu para a recuperação do mercado de trabalho, como a resposta qualitativamente foi muito boa. Houve um crescimento nos salários do setor”, explica o pesquisador da FGVAgro André Diz. Ele cita como exemplo o salário médio na agricultura em Mato Grosso que está em R$ 3.070,24, acima dos R$ 1.649,02 no Brasil.

Diz explica que são trabalhadores qualificados para manejar as máquinas no campo. E, além disso, aumentou a taxa de formalização. “Enquanto a formalização do emprego caiu 0,6% no Brasil, no agro subiu 1,8%. Contando só agropecuária, sem a agroindústria, o crescimento foi de 3,9%. O agro não só gerou mais vagas que os outros setores, mas um trabalhador ganhando mais e em processo de formalização”, explica Diz. “O agro está absorvendo mão de obra porque está sendo mais dinâmico que indústria e serviços.”

Dados compilados pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a partir das informações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), mostram que, em 2021, o setor agropecuário gerou 140,9 mil novos postos de trabalho, terminando o ano com o saldo positivo em nove dos doze meses do ano. O melhor desempenho havia sido 2011, com 85,6 mil vagas. O saldo do ano passado é quase quatro vezes maior do que o do ano anterior, quando o setor registrou a criação de 36,6 mil vagas. Com esse montante, a agropecuária contribui com 5,2% do total de vagas no Brasil em 2021.

“O agro é o setor que, comparado com a indústria e comércio, nos últimos cinco anos, tem saldo positivo com mais contratações que demissões, mesmo com a pandemia. E isso tem despertado interesse por cursos técnicos e faculdade por profissionais de outras áreas”, afirma André Sanches, diretor-geral da Faculdade CNA e diretor de Inovação e Conhecimento do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar).

Essa busca tem sido mais notada pela CNA de profissionais de outros setores da economia, que procuram os cursos superiores da faculdade mantida pela isntituição. Mas há também interesse em cursos técnicos. ”Há alunos que nem tem origem no agro, nem família rural, mas que estão buscando colocação nesse mercado de trabalho. O setor está crescendo em termos tecnológicos, o avanço é muito latente, as adequações à produção também”, explica Sanches.

Em 2015, o administrador de empresas paulistano Alexander Creuz iniciou um curso técnico em agronegócio no Senar. Após 20 anos trabalhando no mercado financeiro, Creuz participou de um curso técnico e começou a trabalhar no campo, plantando lúpulo para cervejarias em uma área de 12 hectares, em Lages (SC). Ele ainda criou a Associação Brasileira dos Produtores de Lúpulo (Aprolúpulo) e se tornou o primeiro presidente. “O curso do Senar me ajudou a concretizar um sonho. Acordo feliz da vida porque eu faço o que realmente eu gosto”, diz o produtor, de acordo com divulgação da CNA.

Diversificação

O executivo Stephano Dedini, diretor para o agro na consultoria de recursos humanos Michael Page, avalia que o mercado de trabalho do setor está mais amplo. Um dos maiores players mundiais em recrutamento especializado, a Michael Page divulgou, na primeira quinzena de julho, que, entre janeiro e maio deste ano, houve um aumento de 50% na busca por profissionais da área de ESG, sigla em inglês que simboliza as práticas ambientais, sociais e de governança.

A empresa espera que as contratações no agro cresçam 5% em 2022. Especialmente entre profissionais para cargos de diretor financeiro e de ESG (salários de R$ 35 mil a R$ 50 mil), head de sustentabilidade (R$ 20 mil a R$ 25 mil), gestor de projetos para eficiência de carbono (R$ 18 mil a R$ 22 mil) e especialista em ESG (R$ 10 mil a R$ 15mil).

“Não é mais uma profissão restrita a agrônomos e veterinários. Há um elemento importante da cadeia de produção como um todo, com espaço para outros tipos de profissionais, ligados à engenharia de logística, compras, ciência da computação”, explica Dedini.

Essa já era uma tendência que a consultoria percebia nos últimos anos, em decorrência das implementações tecnológicas no campo, que exigem profissionais de diferentes áreas. Muitos dos que trabalham na área de tecnologia de grandes varejistas, que fizeram uma migração importante para o e-commerce, voltaram-se para o agro para alimentar a cadeia de insumos, cita Dedini.

Ele observa que o campo atraiu a atenção de grandes investidores, para quem os preceitos de governança e sustentabilidade devem deixar de ser novidade de empresas específicas para se tornar uma realidade que pode ser aplicada em todo o setor. “O mercado demanda isso do setor. Como protagonista de produção de alimentos do mundo, o Brasil é visto com olhar atento não só de consumidores, mas também da indústria e do mercado financeiro. O mundo está com olhar atento para nós no sentido de práticas de sustentabilidade, crédito de carbono, governança”, afirma Dedini.

E, dentro dos preceitos do ESG, estão advogados, cientistas da computação, administradores de empresa e até psicólogos para trabalharem na área de Recursos Humanos do setor. Segundo Dedini, o ESG é uma cultura que deve permear todos os setores das empresas. “Há muito dinheiro no mundo, mas poucos projetos bons. E o agro tem se mostrado bastante relevante pelas inovações tecnológicas. Quando o investidor começa a olhar, começa a cobrar práticas de sustentabilidade.”

Na sala de aula

Os cursos de graduação, aos poucos, vão se adaptando às novas necessidades do mercado na área de ESG. Mas não deixam de ser importantes os cursos técnicos, que têm como foco trabalhar dentro das propriedades rurais. André Sanches, diretor-geral da Faculdade CNA e diretor de Inovação e Conhecimento do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), lembra que das 5 milhões de propriedades rurais do País, 350 mil respondem por 80% da produção. E os cursos superiores colaboram na formação de um profissional capaz de fazer uma avaliação do mercado do agro de forma abrangente. Na Faculdade CNA, por exemplo, os cursos que são mais procurados são o de gestão do agronegócio e gestão ambiental.

Mas a maioria das propriedades pequenas também precisa de ajuda, o que é feito prioritariamente por técnicos agrícolas. “A maioria dos pequenos produtores precisa de ajuda na produção e gestão do negócio, o que demandam técnicos”, explica Sanches, que lembra que todos os cursos técnicos oferecidos pelo Senar respondem às demandas do setor. Entre os três cursos técnicos realizados à distância, a maior busca atualmente é o curso em zootecnia. O Senar oferece outros cinco cursos técnicos presenciais. Desde que o Senar começou a oferecer cursos técnicos em 2016, 7 mil alunos já se formaram.

“Eu acho que o motivo da procura por zootecnia é a carência, especialmente na região Nordeste, porque mais de 45% dos alunos desse curso são dessa região, caracterizada por pequenas propriedades. O desafio deles é a convivência da pecuária com escassez de chuvas, mas há soluções avançadas de busca por forrageiras adaptadas por questões hídricas, além da gestão da propriedade”, explica Sanches.

ESG nos cursos

E os preceitos do ESG também são apresentados nos cursos técnicos do Senar. Felipe Souza Lima tem 22 anos, iniciou faculdade de Administração em 2020 e começou neste ano curso técnico de zootecnia no Senar na Bahia. Desde o bisavô, a família trabalha na criação de gado de corte, com fazendas em Serrinha,no Norte da Bahia, e Mairi, no oeste, com rebanho de 480 cabeças de gado nelore. Hoje estagiário em uma grande empresa de logística marítima em Salvador, Lima espera assumir os negócios da família em breve, além de fazer um segundo curso superior ligado ao agro.

“Eu pude compreender o ESG, teve matéria de agronegócios no curso técnico, da qualidade da gestão, da sustentabilidade. Acho muito interessante abordar isso no dia de hoje, precisamos estar em acordo com o meio ambiente. Quem não faz correto na agropecuária agride o meio ambiente”, explica Lima, que na propriedade de Serrinha já usa energia solar. E ele pretende instalar um biodigestor para gerar gás com os dejetos dos animais.

Cerca de 60% do curso técnico é a distância, no restante do tempo tutores orientam os alunos em visitas a fazendas da região e aulas presenciais a cada 15 dias, em Salvador. “Está sendo muito importante para a minha vida profissional assim como a pessoal, porque é um aprendizado para o resto da vida. Já fico pensando quando vai ter aula e acessar os conteúdos.”

Foto: Getty Images

 

Fonte: Globo Rural