Chegada da praga monilíase às regiões de cacau é questão de tempo

2 de agosto de 2022

Os diversos segmentos da cadeia do cacau e especialistas sabem que é apenas uma questão de tempo para a monilíase, praga quarentenária que já atinge todos os países produtores de cacau da América do Sul e América do Norte, chegar às regiões produtoras do Brasil. Em julho de 2021, a doença foi identificada no Brasil pela primeira vez em uma árvore de cupuaçu no Acre.

“Não existe risco zero. Estamos capacitando técnicos, tomando medidas preventivas e visitando as fazendas produtoras de cacau para alertar os produtores”, diz a engenheira agrônoma e fiscal da Agência de Defesa Agropecuária da Bahia (Adab) Catarina Cotrin Mattos, que coordena na Bahia as medidas de prevenção à praga que ataca plantações de cacau e cupuaçu, com risco de perdas de 100% da produção, se não houver controle.

O primeiro caso foi identificado na zona urbana do município de Cruzeiro do Sul, no Acre. Mesmo com a emergência fitossanitária estabelecida imediatamente pelo Ministério da Agricultura, outro foco foi identificado em agosto em Mâncio Lima, também no Acre, a 38 km, atingindo desta vez árvores de cupuaçu, cupuí e também cacau. Cerca de 580 árvores já foram cortadas no interior do Acre para tentar barrar a expansão da doença.

Catarina afirma que o foco no Acre preocupa, mas o Estado não produz cacau. No entanto, se a doença chegar a Rondônia, que faz fronteira com o Acre, e ao Pará (fronteira com Rondônia), que são grandes produtores, fica bem mais fácil chegar até a Bahia, que concentra atualmente a moagem de 95% do cacau produzido no Brasil, ou seja recebe amêndoas de todo o país. Se chegarem fermentadas e secas, classificadas como tipo I ou tipo II e em sacaria nova, as amêndoas não apresentam risco, mas a maioria dos produtores que entregam o cacau para commodity não fazem a fermentação nas fazendas.

“Temos na Bahia 72.400 propriedades, com total de 410 mil hectares, que produzem 140 mil toneladas de cacau. São 25 mil empregos e R$ 3,4 bilhões movimentados por ano na compra e venda das amêndoas. Então, todo o esforço para proteger essa cadeia ainda é pouco.”

O cobertor do governo, no entanto, é curto para a prevenção. Na Bahia, 40 técnicos da Adab visitam as fazendas para levar orientações aos produtores. O reforço vem dos 750 multiplicadores privados, entre engenheiros agrônomos e pessoal da indústria. O plano é visitar pelo menos 1% das propriedades por ano. No ano passado, foram 954, segundo Catarina.

Carlos Tomichi, dono da fazenda Capela Velha, em Uruçuca, recebeu os técnicos da Adab em julho deste ano. “Não houve vistoria, apenas um contato rápido para alertar sobre a necessidade de ficar atento e informar rapidamente caso identifique a doença. Sabemos que, se a monilíase chegar, podemos ter um cenário bem pior do que o da vassoura de bruxa, que devastou as plantações baianas no final da década de 80.”

João Tavares, produtor baiano premiado diversas vezes na Europa pela qualidade de suas amêndoas, concorda. “A doença já está no Acre. Deus queira que não chegue à Bahia porque na atual condição da maioria das lavouras será o tiro de misericórdia.”

Manejo do estande de plantas, com podas regulares, plantio de uma variedade de materiais genéticos, controle da sombra para que a planta não fique totalmente sem sol são fundamentais para prevenir contra a doença e também a vassoura de bruxa e a podridão parda.

“Infelizmente, devido ao aumento dos custos de produção e ao endividamento, o cacauicultor das regiões produtoras da Bahia não vem investindo nem em manejo para controle da vassoura. O resultado é uma lavoura mais sujeita a doenças fúngicas”, diz a engenheira da Adab.

Segundo ela, são necessárias mais pesquisas e políticas públicas para manter o sistema cabruca, plantio do cacau sob as árvores da Mata Atlântica, que é uma referência mundial em sustentabilidade. “Desde a entrada da vassoura, mais de 100 mil hectares de cacau já foram derrubados.”

Assim como fez com a vassoura, o produtor terá que aprender a conviver com a monilíase. Catarina lembra que o Peru chegou a perder mais da metade da produção com a chegada da praga em 1988, mas implantou medidas de controle eficientes e hoje é o maior produtor mundial de cacau orgânico.

Ceplac

Lucimara Chiari, diretora substituta da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), ligada ao Ministério da Agricultura, diz que o projeto de Melhoramento Genético Preventivo à Monilíase realiza pesquisas por meio de cruzamentos a partir de materiais genéticos resistentes à doença, introduzidos de outros países, como Costa Rica, Equador, Peru e Trinidad, e de germoplasmas locais de alta produtividade com resistência à vassoura de bruxa e podridão parda.

Cerca de 200 clones foram selecionados e vêm sendo testados em larga escala em fazendas de produtores nas principais regiões produtoras brasileiras. “Apesar das estratégias adotadas para identificar clones resistentes à monilíase, na ausência da doença no Brasil há a necessidade de expor esses clones à doença em países onde sua incidência é endêmica para uma avaliação adequada do nível de resistência.”

Para isso, diz Lucimara, a Ceplac busca estabelecer parcerias com Instituições de Ciência e Tecnologia do Equador, onde a doença chegou em 1988, e na Costa Rica, que farão os testes de campo com esses materiais, que já passam por quarentena na Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.

A fiscalização da entrada da monilíase no Brasil, segundo a diretora, é coordenada pelas secretarias estaduais de defesa agropecuária, mas os pesquisadores da Ceplac, em especial um especialista em fitopatologia do Centro de Pesquisa do Pará, apoiam as ações, que visam conter a doença, eliminar os focos e evitar a disseminação.

Segundo o Ministério da Agricultura, cinco fungicidas desenvolvidos pela Syngenta contra a vassoura de bruxa já apresentaram bons resultados contra a monilíase em outros países. Agora, os testes irão avaliar se podem ser usados também no combate à vassoura de bruxa.

O estudo é feito em áreas da Ceplac em Ilhéus e terá duração de dois anos. A Bahia é o estado que mais sofre com a praga, por apresentar condições climáticas favoráveis para a disseminação do fungo. Atualmente, as recomendações para o controle da vassoura de bruxa incluem o uso racional de fungicidas, remoção de tecidos infectados, uso de variedades clonais resistentes e controle biológico.

O Brasil é hoje o sexto produtor mundial de cacau, segundo a International Cocoa Organization (ICCO). De acordo com o Censo Agropecuário de 2017, há mais de 93 mil estabelecimentos produtores de cacau no país. Eles estão concentrados na Bahia e no Pará, que juntos representam 96% da produção nacional.

O que é e como tratar

A monilíase do cacaueiro é uma doença que causa danos diretos, porque o ataque do fungo Moniliophthora roreri é exatamente no fruto, que é a parte comercial, tanto do cacau quanto do cupuaçu. O fungo, que tem um sistema de dispersão por esporos, não causa danos à saúde humana, segundo estudos, mas traz graves riscos econômicos.

Primeiro, surgem as manchas amarelas e verdes e depois as manchas marrons começam a cobrir a parte de fora do fruto. Em cinco a sete dias, se formam os esporos em grande quantidade, que se desprendem do fruto com facilidade e podem atingir outras plantas. Cada fruto contaminado produz até 7 milhões de esporos, que ficam viáveis por vários meses. No caso da vassoura, a quantidade de esporos é bem menor e a viabilidade deles é de apenas 24 horas.

As orientações da Adab em caso de suspeita da monilíase são: informar imediatamente às autoridades sanitárias do Estado; isolar a área; não remover os frutos do local; seguir as medidas estabelecidas pelas autoridades e os procedimentos de biossegurança.

Foto: Eliane Silva/Globo Rural

 

Fonte: Globo Rural