Brasil deve ter menor safra de arroz em 26 anos. Preço ao produtor cai e ao consumidor sobe

1 de março de 2023

O arroz ficou 2,96% mais caro nas últimas quatro semanas, de acordo com levantamento da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas). Desde o início da pandemia, em 2020, o preço do arroz subiu 57%. O aumento foi maior do que o registrado no setor de alimentação como um todo, que chegou a 46,5% no mesmo período, enquanto a inflação ficou na casa de 24,37%.

A expectativa é de que os preços continuem subindo, influenciados pela baixa oferta e estoques globais e pelo valor do dólar. O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) projeta que a produção mundial de arroz recuará para 503 milhões de toneladas na safra 2022/23, o primeiro declínio em sete anos. Segundo dados da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), os preços do arroz já subiram 6,2%.

“Considerando o câmbio atual, a expectativa é que esse patamar de preço mantenha-se no topo”, avalia Lucílio Alves, pesquisador do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Esalq/USP).

Aqui no Brasil, segundo projeções da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a safra de arroz 2022/2023 será a menor em 26 anos: quase 10,2 milhões de toneladas, 5,7% menos ante 2021/2022. No mês passado, a previsão era de 10,4 milhões, mas foi revisada devido aos impactos do clima nas lavouras do Rio Grande do Sul. “Com isso, ao final deste ano, a estimativa é que o Brasil tenha estoque de arroz para apenas nove semanas”, avalia Alves.

Na safra 2022/23 foram cultivados quase 1,5 milhão de hectares de arroz no Brasil, 8,5% menos do que na safra anterior, segundo a Conab. A baixa rentabilidade está afugentando os produtores. A guerra entre Rússia e Ucrânia, quecompletou um ano, impactou os custos de produção, pois elevou preços de insumos essenciais, como fertilizantes, defensivos e óleo diesel.

Nas estimativas da Companhia, produzir arroz ficou cerca de 20% mais caro. Na safra 2021/2022, cada saca de 50 kg teve custo operacional de R$ 68,70. Na temporada 2022/2023, subiu para R$ 82,32. Sem conseguir repassar para o preço de venda, o produtor sentiu na hora de fazer as contas. Consequência: a área plantada de arroz foi a menor em 21 anos.

“Além disso, neste ano, as quebras ocasionadas pela chuva no Sul não permitiram que um aumento na produtividade compensasse a área reduzida, como vinha acontecendo nas safras anteriores”, lamenta Alexandre Velho, presidente da Federarroz (Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul).

Ao mesmo tempo, o rizicultor vê preços de venda em queda. O indicador Cepea/IRGA, com base no Rio Grande do Sul, apontava a saca valendo R$ 91,83 no dia 2 de janeiro. Em 31 de janeiro, estava em R$ 89,32. A tendência se manteve em fevereiro, com a saca de arroz iniciando o mês a R$ 88,58 e chegando a R$ 85,53. Na parcial deste mês, a queda acumulada é de 4,24%.

“Mesmo quando há redução de custo de produção e aumento da oferta – o que não deve acontecer tão cedo – o repasse demora a chegar ao varejo. “O consumidor deve se preparar para um ano com custos mantidos no patamar alto”, ressalta Alcido Wander, pesquisador da área de socioeconomia da Embrapa Arroz e Feijão.

Com a safra menor, o Brasil pode registrar pela primeira vez déficit na balança comercial do grão. As exportações devem cair 53% em relação ao ano passado. Em 2022, o Brasil registrou volume embarcado recorde, de 2,2 milhões de toneladas. Neste ano, as exportações devem totalizar 1 milhão de toneladas enquanto as importações devem ser de 1,3 milhão, de acordo com a Conab.

Consumo em queda

Assim como a produção, o consumo de arroz está caindo no Brasil. Segundo levantamento mais recente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2008 a 2018 a média diária de consumo per capita caiu de 160,3 gramas para 131,4 gramas.

Alcido Wander, da Embrapa Arroz e Feijão explica que o comportamento do consumidor é atrelado à renda. Em período de alta da inflação e redução do poder aquisitivo, o consumo tende a cair porque se compra menos, mesmo produtos básicos. Já quando o poder de compra está maior, o arroz pode ser menos procurado porque a população tende a variar mais o cardápio e procurar por itens que, antes, não conseguia consumir.

Com a queda no consumo interno , Wander avalia que a solução para voltar a estimular o plantio de arroz é ampliar a participação no mercado externo. O que também não é simples nem traz resultados de curto prazo. “É uma saída a longo prazo, pois depende de negociações e abertura de novos mercados”, avalia o pesquisador da Embrapa.

Lucílio Alves, do Cepea, acrescenta que o arroz é um produto com pouco histórico de transações entre países. “O consumo do arroz é bastante diversificado, influenciado por costumes regionais. Por isso, a comercialização entre os países ainda é um desafio”, aponta.

Estoques públicos

Na tentativa de evitar aumentos de preços e pressão inflacionária, o governo federal vem sinalizando a intenção de recompor estoques públicos. O assunto foi discutido durante a transição e vem sendo avaliado pelo Ministério da Agricultura. Alcido Wander, da Embrapa Arroz e Feijão, faz ressalvas à iniciativa. Segundo ele, não seria uma opção viável e poderia criar uma distorção de mercado.

“A produção seria aumentada em virtude de sinais ampliados e não condizentes com consumo real. Como consequência, a curto prazo já haveria excedente de produção e queda nos preços de venda dos produtos. Considerando que os custos de produção não devem ter redução a curto prazo, isso afetaria muito a rentabilidade novamente”, diz Wander.

Foto: Globo Rural

 

Fonte: Globo Rural